Princípios do Direito Administrativo Para Concursos Públicos

Princípios do Direito Administrativo Para Concursos Públicos

Olá pessoal, tudo certo?

Hoje vamos falar sobre regime jurídico-administrativo… ou seja, princípios do Direito Administrativo…

O tema dos princípios é um dos primeiros assuntos que constam em todos os editais de direito administrativo pra concurso e esse assunto pode aparecer no edital com o nome de Princípio do Direito Administrativo ou então como Regime Jurídico Administrativo. O que é o regime jurídico administrativo?

É um nome que o professor Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza pra fazer referência ao conjunto de todos os princípios e regras do direito administrativo, ou seja, regime jurídico administrativo é a mesma coisa que princípios do direito administrativo. Bom, para o professor Celso Antônio Bandeira de Mello os princípios do direito administrativo estão sustentados sobre duas ideias fundamentais que ele chama de supra princípios do direito administrativo. Esses supra princípios são: supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público.

Em linhas gerais, a supremacia do interesse público sobre o privado significa que a administração como defensora dos interesses da coletividade, defensora do interesse público, recebe do direito prerrogativas especiais pra essa defesa. Então, diz o professor Celso Antônio Bandeira de Mello “a supremacia do interesse público sobre o privado é um pilar do direito administrativo que sustenta todos os poderes especiais que a administração tem sobre o nosso direito”.

Então por exemplo: prazos processuais que a administração tem em dobro pra contestar, recorrer e pra responder recursos. Qual a origem desse privilégio da supremacia do interesse público sobre o privado? Por que é que procuradores públicos não precisam juntar procuração nas petições que são apresentadas em juízo? Decorre isso da supremacia do interesse público sobre o privado. Então, imagina que o direito administrativo é um edifício e esse edifício é sustentado por duas colunas centrais, a supremacia do interesse público sobre o privado é uma dessas colunas desse edifício, a outra é indisponibilidade do interesse público.

Pra avançar um pouquinho nessa ilustração, a metáfora do prédio e das colunas, pense que cada andar desse prédio é um dos capítulos do direito administrativo, então imagina esse edifício que tem no primeiro andar por exemplo os atos administrativos, organização no segundo andar, depois licitação, contratos, intervenção na propriedade e segurando esses temas, sustentando esses temas, supremacia do interesse público e indisponibilidade do interesse público. Tome um pouco de cuidado, porque a ideia de supremacia do interesse público s obre o privado é uma ideia, hoje, relativizada.

E por que relativizada? Porque não há uma supremacia absoluta do interesse público sobre o privado, e por que não há? Porque o próprio Celso Antônio explica que há uma diferença que vem de um autor italiano chamado Renato Alessi, há uma diferença segundo Alessi, entre o interesse público primário e o interesse publico secundário.

O interesse público primário é o verdadeiro interesse da coletividade, esse tem supremacia sobre o interesse particular. Já um segundo tipo de interesse público, chamado de interesse público secundário, que é o interesse patrimonial do Estado como pessoa jurídica.

Diz o professor Celso Antônio que quando a administração atua pra defender o interesse secundário, o interesse dela como pessoa jurídica, não existe essa supremacia. Na defesa do interesse público secundário, esse interesse está no mesmo nível com o interesse do particular. Por isso que a supremacia do interesse público sobre o privado não é uma ideia absoluta porque ela só existe se estivermos falando do interesse público primário, portanto, o nome correto mesmo desse supra principio seria “supremacia do interesse público primário sobre o interesse particular”, é uma noção relativa à supremacia do interesse público.

Muito bem, e outro supra princípio, o segundo supra princípio que sustenta toda a estrutura, todo o edifício do direito administrativo, a segunda ideia central depois da supremacia do interesse sobre o privado, é o supra princípio da indisponibilidade do interesse público.

A indisponibilidade do interesse público estabelece limitações a atividade da administração. Significa indisponibilidade do interesse público que o agente público e a administração não são donos do interesse da coletividade, interesse público primário. O interesse público primário ele é titularizado pelo povo, a administração publica e os servidores públicos são meros gerentes do interesse da coletividade, meros administradores, porque exercem uma função. Essa palavra “função” no direito administrativo ela é muito importante, os agentes públicos exercem uma função e função no direito é o nome que se dá pra a atividade que alguém exerce em nome próprio na defesa do direito de terceiros. Então olha que interessante, tem dois tipos de atividades dentro do direito, tem as atividades comuns que a pessoa exerce em nome próprio na defesa de interesse próprio, por exemplo: se eu levantar aqui e for buscar um copo de água, eu estou realizando uma atividade comum, estou agindo em nome próprio na defesa de um interesse que é só meu.

O agente público não exerce atividades comuns, ele exerce um segundo tipo de atividade que é a atividade funcional ou simplesmente função, porque ele atua em nome próprio na defesa de interesse de terceiro, na defesa do interesse da coletividade que é o interesse público primário. Quando eu digo pra você que o agente publico é um mero gestor, um mero gerente do interesse público, lembra dessa palavra “gerente’’, ela explica bem a natureza da atividade da administração. Pensa no gerente de uma loja por exemplo, o gerente é alguém que administra a loja, mas não é dono da loja, ou seja, ele exerce uma atividade funcional, atua em nome próprio na defesa do proprietário da loja.

O agente público ele é também o gerente, o gestor do interesse da coletividade porque ele atua na defesa de um interesse que não é dele, e como o interesse público não pertence ao agente e nem é titularizado pela administração, a administração e o agente público não podem dispor livremente do interesse da coletividade, porque só pode dispor livremente do interesse da coletividade quem é dono desse interesse.

Portanto, a ideia de indisponibilidade do interesse público também é uma noção relativa, e por que? Porque existem alguns casos muito excepcionais no nosso ordenamento em que o agente público, com expressa previsão legal, pode se comportar como se fosse dono do interesse da coletividade, por exemplo: a possibilidade de arbitragem pra solução de conflitos em direito administrativo, hoje o uso da arbitragem está autorizado pela legislação no direito administrativo por exemplo a arbitragem em solução de conflitos em matéria de contratos administrativos e também a possibilidade de procuradores públicos transacionarem em juízo quando estiver em jogo o interesse da coletividade.

O uso da arbitragem e o uso da transação pela administração pública são situações que excepcionam a indisponibilidade e por que? Porque pensa na arbitragem por exemplo, a arbitragem é a entrega de um conflito de interesses pra solução por alguém que não faz parte do judiciário, na arbitragem as partes em conflito, entregar a solução do conflito para um terceiro que não é o judiciário, o terceiro que é o árbitro. Essa decisão em principio só pode ser tomada por quem é titular do interesse que está em jogo, mas quando a legislação autoriza o agente público, a administração, a decidirem pelo uso da arbitragem a legislação está atribuindo ao agente público um poder de dono que o agente publico não é, ele não é dono do interesse da coletividade.

Então, a arbitragem é um exemplo da relativização do supra princípio da indisponibilidade do interesse público. A mesma coisa vale para o caso da transação processual.

A legislação brasileira hoje permite que procuradores públicos façam acordo em juízo envolvendo interesses da coletividade, interesse públicos. Veja, alguém só pode  fazer um acordo se for titular do interesse que está sendo discutido, quando a legislação permite que um procurador público faça um acordo em uma ação judicial, a legislação está dando ao agente público poder de dono do interesse e o agente público é um mero gestor, não é dono do interesse público. É por isso que a arbitragem e a transação são consideradas exceções ao supra principio da indisponibilidade do interesse público. Resumindo, as duas colunas que sustentam o direito administrativo brasileiro, de um lado a supremacia do interesse público sobre o privado e de outro lado a indisponibilidade do interesse público (limites ao exercício da função administrativa), esses dois supra princípios não são noções absolutas porque encontram exceções dentro do próprio ordenamento.

Agora que nós sabemos que o direito administrativo no Brasil está sustentado sobre duas noções centrais (supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público), quais seriam os princípios em espécie que o nosso ordenamento prevê?

A doutrina costuma separar os princípios do direito administrativo em duas categorias iniciais, de um lado existem os chamados princípios constitucionais, que são dez princípios de direito administrativo previstos expressamente na Constituição de 1988, fora os dez princípios constitucionais que as vezes são chamados de expressos ou explícitos, existem também os princípios implícitos ou reconhecidos. Princípios implícitos ou reconhecidos são aqueles que estão previstos abaixo da constituição. São princípios que quase todos têm previsão na lei federal do processo administrativo, no artigo 2º da Lei 9.784/99, esse artigo tem uma lista de princípios do direito administrativo, alguns tem previsão na constituição, portanto a lei do processos em alguns casos duplica ou copia a norma constitucional, mas na maioria das vezes, são princípios que não têm previsão constitucional.

Bom, antes de eu comentar as noções mais importantes sobre princípios constitucionais, princípios implícitos ou reconhecidos, tem uma pergunta que é importante: por que os princípios no direito administrativo têm uma relevância maior do que os princípios nas demais áreas do direito?

Você deve perceber que quando o direito administrativo vai estudar princípios, estuda com muito mais profundidade do que os outros anos, é claro, existem princípios de direito civil, de direito tributário, praticamente todos os ramos jurídicos tem seus princípios, mas no direito administrativo o assunto dos princípios é um assunto central da disciplina, por isso que em geral os livros de direito administrativo dedicam muitas e muitas páginas aos princípios, no meu manual de direito administrativo por exemplo, o tema dos princípios é um dos maiores capítulos dentro do livro e por quê? Porque no direito administrativo os princípios têm importância maior do que eles têm em outros ramos.

De onde vem essa importância? Em primeiro lugar, essa importância maior vem do fato de o direito administrativo no Brasil não estar codificado. O que é a codificação de um ramo? É uma das etapas mais avançadas de amadurecimento de um ramo jurídico, a codificação significa que um determinado ramo foi estruturado pelo legislador em torno de um código. Todos os ramos do direito que no Brasil tem códigos recebem o nome de ramos codificados, então estão codificados no Brasil por exemplo: direito civil, por causa do código civil, o direito processual penal por causa do CPP, o processo civil, o direito penal, até o tributário é codificado por causa do CTN. O direito administrativo no Brasil não é codificado e daí a importância que nos outros ramos o código desempenha, o código nos outros ramos desempenha a função de dar unidade e sistematização a esse ramo.

A codificação é indispensável para a compreensão de um determinado ramo e a existência de um código realmente facilita a compreensão de um ramo. Você pega o código civil por exemplo, ele estrutura o direito civil de uma forma que fica mais fácil você compreender a disciplina, no direito administrativo nós não temos um código de direito administrativo e por isso quem exerce esse papel de conferir unidade e sistematização no direito administrativo são os princípios daí o fato de a doutrina em direito administrativo demorar tanto tempo estudando princípios. Pode reparar no edital do seu concurso, o tema dos princípios, se não for o maior tema no edital é um dos maiores devido a essa importância diferenciada que os princípios têm na nossa disciplina.

Bom, o que é um princípio em direito administrativo? Princípio é uma norma geral que veicula, que transmite os valores fundamentais da disciplina. Então quando nós estudamos um princípio nós estamos estudando um valor fundamental do direito administrativo, a legalidade é um valor fundamento do direito administrativo, a impessoalidade é um valor fundamental, a moralidade, publicidade, eficiência, tudo aquilo que nós denominamos de princípio em direito administrativo é uma norma geral que veicula valores fundamentais dentro do nosso ramo. Tome um pouco de cuidado porque os princípios não são criados pelo legislador, na verdade os princípios em direito administrativo também não são criados pela Constituição.

Quem identifica os princípios é a doutrina, pelo menos no direito administrativo, por meio de um processo chamado de abstração indutiva. “Nossa que coisa difícil, Mazza que que é abstração indutiva?” É um processo intelectual pelo qual a doutrina analisa o ramo como um todo e identifica os valores fundamentais que esse ramo possui, e aí partindo das normas mais especificas até chegar nas noções gerais, nós temos um processo de abstração. E por que indutiva? Porque indução é o nome do processo intelectual, do processo técnico, do processo científico de partir das noções mais específicas, das normas mais específicas e extrair as ideias gerais. Indução é isso, eu saio das partes e chego na noção geral. É o contrário de dedução, dedução é outro processo. Na dedução eu tenho normas ou noções gerais e eu vou desdobrando o raciocínio até chegar a normas específicas, parte do geral para o específico.

A indução faz o contrário, é um processo que parte do específico e chega às noções, aos valores fundamentais. Portanto, é a doutrina em direito administrativo que identifica esses valores fundamentais e denomina esses valores como direitos administrativos. Veja, o legislador quando lista os princípios, o constituinte enumera os dez princípios expressos do direito administrativo, ele legislador e ele constituinte não estão com o poder na mão de criar essas normas fundamentais, isso é revelado pela doutrina e não pelo legislador. Por essa razão também não existe uma importância maior dos princípios expressos na legislação, na constituição, o fato de um princípio administrativo ter previsão direta no texto constitucional não significa necessariamente que ele seja mais importante no conjunto do sistema do regime jurídico-administrativo do que outros princípios que o legislador e o constituinte esqueceram de mencionar expressamente na elaboração do diploma normativo.

Nós temos por exemplo na constituição de 1988 o princípio da eficiência, que foi acrescentado pela emenda 19/98, esse princípio não tem a importância sistêmica que tem por exemplo o princípio da autotutela possui, e no entanto a autotutela não tem previsão constitucional, é um princípio que está na lei federal do processo.

Já a eficiência tá lá, como princípio listado no artigo 37 caput e o fato do constituinte ter lembrado na hora de escrever o artigo 37 caput que existe um princípio chamado de eficiência, não significa que essa expressa menção transforma a eficiência num princípio que não tem a previsão expressa, porque não está não mão do constituinte, na mão do legislador criar um princípio. A eficiência por exemplo, é um princípio de conteúdo muito vago no nosso ordenamento, o constituinte lançou a ideia de eficiência no 37 caput, mas não existem muitos institutos no direito administrativo capazes de dar um conteúdo concreto pra eficiência, é mais uma dessas ideias lançadas na constituição, mas com pouco alcance prático. Então, o princípio da eficiência é uma demonstração de que o fato de um princípio administrativo estar expresso na constituição não autoriza concluir que só por essa previsão expressa ele tem mais importância dentro do sistema do que princípios que, digamos, foram esquecidos pelo constituinte na hora de redigir o artigo 37 caput e as demais normas da Constituição Federal de 1988.

Olha só, a doutrina divide os princípios de direito administrativo em princípios expressos que são aqueles dez previstos na constituição e princípios reconhecidos que são outros princípios que não foram lembrados pelo constituinte na hora de escrever o texto de 1988. Ao contrário do que muita gente acha, não são apenas cinco os princípios expressos na constituição, as pessoas normalmente acham que os princípios constitucionais do direito administrativo são aqueles do 37 caput (Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), claro, esses são expressos, aliás há uma dica incrível pra você guardar o nome desses princípios do 37 caput, eles são princípios cujas iniciais dos nomes formam a palavra LIMPE. Mas fora os princípios constitucionais do artigo 37 caput, existem outros cinco princípios constitucionais do direito administrativo mas que não estão organizados no 37 caput, esses outros cinco estão espalhados pelo texto da constituição de 1988.

Então quais são os cinco princípios constitucionais do direito administrativo brasileiro que não estão no 37 caput? Veja só, em primeiro lugar nós temos o princípio do devido processo legal, é um princípio constitucional do direito administrativo, mas não tá no 37 caput, ele tá previsto no artigo 5º, inciso LV. Outros princípios que estão previstos na constituição de 1988 são o contraditório e a ampla defesa, esses dois princípios estão no artigo no artigo 5º, inciso LV da constituição. E tem mais dois ainda, o princípio da participação, que é muito perguntado em provas do Cespe por exemplo; eu costumo dizer que o Cespe inventou esse princípio da participação porque você olha no artigo 37 parágrafo 3º da constituição que é o fundamento normativo desse princípio segundo o Cespe e lá está dito que a lei criará mecanismos de participação do usuário na administração pública, isso não é um princípio, mas em provas de concurso às vezes existem algumas verdades que só servem para aquelas realidade dos concursos, então o princípio da participação é considerado por muitos concursos como o nono principio expresso de direito administrativo na CF/88.

E o ultimo princípio que a constituição de 1988 prevê, mas que não está no 37 caput é o principio da celeridade processual ou razoável duração do processo, tem previsão no artigo 5º inciso LXXVIII da CF/88 e o que diz esse dispositivo? Ele diz que os processos judiciais e administrativos deverão ter uma duração razoável e garantir a celeridade da sua tramitação. A CF/88 quando trata desse princípio perdeu uma oportunidade incrível de estabelecer um prazo máximo de duração de processos administrativos, teria sido lindo e daria ao princípio da celeridade um alcance prático muito maior se o artigo 5º inciso LXXVIII dissesse por exemplo que os processos deverão ter uma duração razoável não podendo ultrapassar, por exemplo, 3 meses de tramitação.

A CF/88 deveria ter colocado um prazo máximo de duração dos processos administrativos, mas não tem, tal artigo fala genericamente de celeridade processual e por falar genericamente é muito difícil de você aplicar esse princípio da celeridade em algum caso concreto. Então guarde quais são os dez princípios de direito administrativo expressos na CF/88, os cinco previsto no 37 caput cujas iniciais foram a palavra LIMPE (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) e outros cinco que estão espalhados ao longo do texto da constituição de 88, são eles: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, participação e celeridade processual. Estes dez são princípios expressos, qualquer outro que você for estudar é chamado de princípio reconhecido.

Muito bem, os princípios do 37 caput cujas iniciais foram a palavra LIMPE, tem um conteúdo mais conhecido de todo mundo, então quero começar enfocando os princípios constitucionais do direito administrativo que não estão no 37 caput, eu quero falar em primeiro lugar do princípio constitucional do devido processo legal.

Antes da CF/88 a ideia de um devido processo legal era claramente aplicável ao poder legislativo e ao poder judiciário, ninguém nunca duvidou que o poder legislativo só pode exercer sua função típica de legislar se antes disso existir um devido processo legal que é o processo legislativo. O vereador, um deputado ou senador, não podem tá andando na rua ter uma ideia de uma lei “pá”, por um ato unilateral editar uma lei, não. Existe um processo administrativo previsto na CF/88 (iniciativa, votação, promulgação, sanção, etc.), a atividade do poder legislativo sempre se sujeitou a um devido processo legal. E com o judiciário é a mesma coisa e a sujeição da função jurisdicional do devido processo legal é uma coisa óbvia, antes de um juiz prolatar uma sentença ele tem que observar o rito previsto no código de processo civil, no código de processo penal, etc.

Isso é o devido processo legal, jamais um juiz pode estar de férias na praia ele vê alguma coisa errada que precisa ser solucionada por exemplo, ele vê lá um espetinho de camarão sendo vendido sem nenhuma condição de higiene, ele não pode ali na hora dar uma sentença, precisa observar o devido processo legal, primeiro o interessado tem que instaurar o processo, o juiz não pode fazer isso de ofício, depois tem que ouvir a outra parte, receber a citação, fazer audiência… observar todo aquele devido processo legal previsto na legislação.

Então, sempre foi muito óbvio a submissão do legislativo e do judiciário em relação ao devido processo legal, o que nem sempre foi óbvia foi a sujeição do poder executivo ao devido processo legal. Antes da CF/88 muitas pessoas defendiam inclusive que o poder executivo pode exercer sua função sem observar o devido processo legal, – decidindo unilateralmente, expedindo atos administrativos que caem do céu do nada – a partir da promulgação da CF/88 com a redação do artigo 5º, inciso LIV, o exercício da função administrativa também se sujeita ao devido processual. E o que é o devido processo legal? Pensem assim: é um princípio que obriga o Estado antes da tomada de qualquer decisão a instaurar um procedimento previsto em lei e que assegure o contraditório e ampla defesa a todos os interessados, esse é o conteúdo inicial do devido processo legal. Qualquer decisão estatal, seja legislativa, jurisdicional e administrativa só será legítima quando precedida de um rito previsto em lei que assegure contraditório e ampla defesa a todos os afetados por essa decisão.

Como regra o devido processo legal vem primeiro e a decisão estatal vem depois. Pensa por exemplo no caso da função jurisdicional, primeiro vem o processo depois vem a sentença encerrando a primeira instância desse processo, mas excepcionalmente é possível inverter essa ordem, isto é, decidindo primeiro e garantindo o contraditório e ampla defesa depois. Na função jurisdicional por exemplo, o código de processo civil prevê a adoção de tutela antecipada, nessa tutela o juiz toma uma decisão primeiro pra depois garantir contraditório e ampla defesa, na liminar em mandado de segurança também, há uma inversão da logica natural porque o juiz decide primeiro e depois abre contraditório e ampla defesa pra outra parte, ok? Isso é o que chamamos de devido processo legal diferido no tempo.

O devido processo legal diferido no tempo é a hipótese excepcional de primeiro o Estado decidir e depois abrir o processo com o contraditório e ampla defesa. No direito administrativo é a mesma coisa, em regra, primeiro tem que abrir um processo e depois a administração vai decidir, mas é possível diferir no tempo o devido processo legal invertendo essa lógica. Em situações muito pontuais a administração pode praticar o ato administrativo primeiro, ou seja, tomar a decisão e depois garantir contraditório e ampla defesa. A lei federal do processo administrativo a lei 9.784/99 diz que essas providências acauteladoras, que são providências tomadas antes da instauração do processo, elas serão legítimas apenas na situação de iminente risco para o interesse público. Então se houver um risco iminente de violação do interesse publico a administração pode primeiro decidir pra depois garantir o contraditório e a ampla defesa.

Imagine um exemplo: suponha que um determinada pessoa esteja recebendo um benefício previdenciário, mas aí há suspeitas de que essa pessoa que recebe o benefício previdenciário já morreu, portanto suspeita de uma fraude no recebimento do benefício, veja, essa  é uma situação em que o poder público pode interromper o pagamento pra depois garantir o contraditório e ampla defesa a algum eventual interessado, porque se um benefício previdenciário por pago, a pessoa que receba ainda que indevidamente, de forma fraudulenta, ela vai consumir esse recurso esses benefícios como regra têm natureza alimentar.

Então, uma vez que o Estado paga, pra ele receber de volta é praticamente impossível, então devido ao iminente risco de violação do interesse público pelo fato de eu pagar um benefício e não conseguir pegar de volta, a legislação admite a inversão, suspendo o pagamento cautelarmente e depois garanto o contraditório e ampla defesa, isso é uma inversão da lógica natural de depois abrir o processo e depois garantir contraditório e ampla defesa. A compreensão integral do conteúdo que o devido processo legal tem como princípio constitucional expresso para o direito administrativo pressupõe que você entenda separadamente cada um dos elementos que integram o chamado devido processo legal, o caráter devido, o caráter processual e o caráter legal dessa garantia. Em primeiro lugar nós temos no devido processo legal de que ele é um processo, vou começar pelo elemento intermediário do devido processo legal, o que significa dizer que essa garantia exige um processo?

Processo está aqui no sentindo de um rito, de uma sequência encadeada de atos. Antes da administração pública tomar uma decisão ela tem que instaurar um rito decisório, esse é um caráter processual da garantir do devido processo legal.

Onde está previsto esse processo do devido processo legal? Em lei, por isso que ele é um processo legal, quem decide o rito decisório não é a administração, quem decide o rito decisório é o legislador por força do princípio da legalidade, então está acima da vontade da administração pública, está acima da vontade do agente público, decidir quais são os passos de tramitação desse devido processo legal porque ele é um devido processo que o legislador estabelece. E além de ser um processo legal, tem o caráter devido que é o terceiro âmbito da garantia do devido processo legal no direito administrativo. O elemento “devido” significa que o rito decisório estabelecido em lei antes da administração tomar uma decisão não pode ser um rito qualquer, não pode ser um rito previsto em qualquer lei, tem que ser um rito previsto na lei que disciplina aquela decisão, esse é o caráter “devido” da garantia do devido processo legal.

Por exemplo, se a administração ou judiciário forem aplicar as penas da lei de improbidade da lei 8.429, a aplicação dessas penas e a decisão tem que ser precedida de um rito previsto em lei mas que não é uma lei qualquer, é a lei que descreve as sanções aplicadas, a lei de improbidade. Por isso que é inconstitucional a decisão que aplica alguma pena da lei de improbidade em processo administrativo disciplinar, porque o processo administrativo disciplinar está previsto em uma lei no âmbito do servidor federal, a lei 8.112 e as penas da ação de improbidade estão previstas em outra lei, a lei 8.429. Então quando um processo disciplinar decide aplicar uma pena  que está na lei de improbidade há um processo, há uma natureza legal só que não é devido o processo legal, porque o rito que tem que anteceder a aplicação de sanções da lei de improbidade é o rito previsto na mesma lei que descreve essas sanções que é a lei 8.429.

Resumindo, a garantia do devido processo legal em direito administrativo tem três elementos; a natureza processual, rito que antecede a tomada de decisões; a natureza legal, o que significa dizer que não é a administração que estabelece como será tomada a decisão, qual será esse passo a passo, é o legislador que decide; e a natureza “devido”, não é qualquer lei que pode ser aplicada na realização de um procedimento, tem que ser a lei que descreve a tomada de decisão que será adotada. Esse é o conteúdo completo da garantia do devido processo legal.

Tome um pouco de cuidado porque muita gente acha que a garantia constitucional do devido processo legal é uma garantia que se esgota em si mesma, e o que eu quero dizer com isso? Existem ainda pessoas que acham que o devido processo legal é uma garantia formal apenas, como se a decisão final da administração fosse sempre legítima só pelo fato de ter sido observado o rito previsto na legislação, mas isso não é verdade. A garantia do devido processo legal é uma garantia que existe para assegurar outras garantias constitucionais, e quais são essas outras garantias constitucionais que a realização de um devido processo assegura?

Contraditório, ampla defesa, recorribilidade das decisões da administração, publicidade e impessoalidade. Ou seja, realizar um devido processo legal antes da tomada de decisão é uma forma de assegurar o contraditório, a ampla defesa, a recorribilidade, a impessoalidade e a publicidade das decisões da administração. É fácil entender por que isso é assim.

A natureza instrumental do devido processo legal existe porque se não houver um processo instaurado como vou garantir o contraditório, a ampla defesa? Como vou assegurar ao interessado que ele se manifeste? Não existe contraditório sem devido processo legal. Como vou assegurar a alguém a possibilidade de produzir provas antes da tomada de decisão (garantia da ampla defesa) se eu não tenho um processo? O único ambiente possível para assegurar contraditório e ampla defesa é dentro de um processo, portanto não havendo processo, além de violar essa garantia do devido processo legal, automaticamente estão violados contraditório e ampla defesa, e mais, a ampla defesa no artigo 5º inciso LV da CF/88, tem um complemento que é a recorribilidade das decisões administrativas porque o artigo 5º, inciso LV diz que serão assegurados nos processos administrativos e judiciais o contraditório e a ampla defesa e os recurso a ela inerente.

Os recursos inerentes à ampla defesa no contexto do direito administrativo são os recursos administrativos que o interessado pode interpor toda vez que ele enfrentar uma decisão administrativa que lhe seja desfavorável, e essa garantia da recorribilidade administrativa das decisões, ela também só tem sentido no âmbito do devido processo legal e assim também vale para a impessoalidade e a publicidade. Quando a tomada de decisão é precedida de um procedimento, de um devido processo legal, isso assegura, como regra, que haja uma publicidade da decisão, que o conteúdo e os fundamentos dessa decisão tenham transparência e que haverá uma impessoalidade, que a decisão não será tomada de acordo com os caprichos, as preferências do gestor público.

Portanto olha que ideia interessante, sempre que você encontrar uma decisão administrativa que for tomada sem o devido processo legal, além dessa decisão violar o próprio princípio do devido processo legal automaticamente viola também o contraditório, ampla defesa, recorribilidade, impessoalidade e publicidade. É por isso que eu gosto de pensar na garantia do devido processo legal em direito administrativo como uma garantia bonde, eu que inventei essa expressão gente. O que é uma garantia bonde? Garantia bonde é aquela que existe para assegurar outras garantias, então desse ponto de vista, o devido processo legal é uma garantia instrumental que existe para assegurar outras garantias.

Muito bem, não se esqueça que o devido processo legal desde as suas origens lá no direito norte-americano o due process of law, devido processo legal, pode ser entendido de duas formas, e esses dois conteúdos do devido processo legal são aplicáveis no direito administrativo brasileiro, devido processo legal formal e o devido processo legal material ou substantivo. O devido processo legal no direito administrativo brasileiro é obrigatório tanto no aspecto formal como no aspecto material ou substantivo. O que é o devido processo legal formal para o direito administrativo? É o dever de respeitar o rito decisório que antecede a tomada de decisão, o rito previsto na lei que disciplina aquela decisão, esse é o aspecto formal, observância de um rito. Legal você lembrar que no Estado Moderno, como diz Nicolas Luhmann, a legitimidade das decisões estatais fica atrelada ao cumprimento de um processo previsto na legislação, é a chamada legitimação pelo procedimento. Como que eu sei que uma decisão do judiciário é legítima? É legítima formalmente quando ela é tomada depois da observância de um procedimento que a legislação prevê. Como que eu sei que uma lei é legitimidade no estado de direito? Quando ela for criada após o rito previsto na lei para a instituição das leis, isso é a legitimidade pelo procedimento e na administração pública é a mesma lógica. Como que eu sei, formalmente, se uma decisão da administração pública, um ato administrativo é legítimo? Eu sei que um ato administrativo é legítimo toda vez que ele for praticado após a observância do procedimento previsto na legislação. Isso nós chamamos de legitimidade pelo procedimento.

Bom, mas não basta para assegurar o cumprimento da garantia do devido processo legal que se observe o aspecto formal, procedimental, porque para o direito não adianta nada a administração observar rigorosamente o rito decisório e a decisão final ser uma decisão injusta, desproporcional, irrazoável.

Então, além da observância do rito devido processo legal formal, os norte-americanos perceberam que é indispensável para a garantia do devido processo legal também a justiça da decisão final, a adequação da decisão final a realidade, a razoabilidade, a proporcionalidade dessa decisão. Daí o segundo aspecto do devido processo legal que é o aspecto substantivo, material. Portanto os dois âmbitos de incidência do devido processo legal valem para o direito administrativo brasileiro, a administração pública está subordinada tanto ao devido processo legal formal quanto ao devido processo legal material ou substantivo.

Toda vez que eu penso na garantia do devido processo legal em direito administrativo uma imagem me vem a mente, é uma metáfora que vai te ajudar a compreender os aspectos do devido processo legal. O devido processo legal pode ser associado a ideia de um trilho, a administração é o trem e a decisão a ser tomada é a estação, o destino desse trem.

Quando a administração vai decidir, vai chegar ao “destino”, não é ela que escolhe o caminho a seguir, o caminho está definido pelo legislador naquele trilho. Não tem cabimento um trem dar um passo pro lado e resolver chegar ao destino por um caminho que não seja o trilho, o único jeito de chegar ao destino é por meio daquele trilho, esse é o devido processo legal. A administração vai tomar decisões, mas ela só pode fazer isso por um único caminho na lei que disciplina aquela decisão, esse caminho é o devido processo legal.

É isso galera! Bons estudos!

Ahhh, e não deixem de sugerir outros temas pra gente conversar aqui!

Abs,

Mazza

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