Os Diferentes Princípios da Legalidade

Os Diferentes Princípios da Legalidade

Olá pessoal! Hoje vamos tratar desse tema que bomba nos concursos públicos que é a Legalidade Administrativa.

CONCEITO

O princípio da legalidade é um dos princípios mais importantes de todo o direito administrativo, ele cai muito em concursos, em exame de ordem, ele é a base para compreensão dos demais princípios, ou se você preferir ele é a base para compreensão do regime jurídico administrativo. Mas se você reparar bem muitos ramos do direito tem o princípio da legalidade aplicável ao seu objeto, você conhece por exemplo a lei do direito administrativo, princípio da legalidade no direito tributário, existe o princípio da legalidade no direito penal, praticamente todos os ramos do direito público eles possuem algo chamado princípio da legalidade.

E por que que vários ramos tem um princípio da legalidade e conteúdo diferente dos demais? Isso é simples de entender porque os ramos do direito eles sempre vão discriminar a relação que as pessoas tem dentro daquele ramo específico com a legislação, então o princípio da legalidade existe em todos os ramos porque cada ramo possui um vínculo diferenciado entre a pessoa que é o agente fundamental daquele ramo e a legislação aplicável. No direito tributário por exemplo o princípio da legalidade tem um conteúdo diferente da legalidade em direito administrativo. A legalidade em direito tributário é uma obrigação de que criar, majorar, reduzir ou extinguir tributo seja feito pelo poder legislativo, o único poder constituído dentro do Estado de Direito que tem competência para criar, modificar, reduzir ou extinguir tributo é o poder legislativo e a lei é o veículo legislativo que promove essa ação, é o princípio da legalidade, diferente da legalidade em direito administrativo.

  • ESTADO DE DIREITO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Outra dica legal é você perceber o seguinte, o princípio da legalidade em qualquer um dos ramos do direito, qualquer ramo que possua um conteúdo chamado princípio da legalidade, todos esses princípios da legalidade, vamos dizer assim no plural, surgem com o nascimento do Estado de Direito. O que que nós chamamos de Estado de Direito? Estado de Direito é um período histórico que nós vivemos atualmente e que começou no século XVIII com a Revolução Francesa, não sei se você lembra desse assunto mas a revolução francesa aconteceu em 1789 e a interpretação que pode se dar ao resultado da revolução francesa foi a ascensão do povo junto com a burguesia, na verdade da burguesia junto com o povo, se sobrepondo a nobreza, se sobrepondo aos soberanos que dirigiam o Estado francês antes da revolução, e aí o parlamento com o Estado de Direito passa ser o representante da vontade popular e a lei é a manifestação maior da vontade do povo. Sempre que nós pensamos na submissão de um agente público a lei nós temos que lembrar que isso existe porque o povo que é titular do poder estatal ele se manifesta por meio de leis já que não há outra forma de discutir dada a quantidade populacional dos países, o jeito é fazer uma democracia representativa, nós elegemos os parlamentares e os parlamentares criam a lei “em tese” em nosso nome, isso é a ideia que tá por trás da legalidade e isso no fundo significa uma submissão de todos os agentes público à vontade do povo.

Você lembra, a nossa Constituição abre com a afirmação de que todo poder emana do povo por meio de seus representantes eleitos, portanto todo princípio da legalidade significa isso, o agente público será sempre alguém a serviço da vontade popular e ele não pode contrariar a vontade popular porque o povo é o titular de toda essa soberania e ele não pode contrariar a vontade popular razão pela qual ele tá subordinado à legislação. Lembre ainda que o período anterior ao Estado de Direito, era chamado de Estado de Polícia, o estado de polícia é aquele em que a lei valia pros súditos, a lei valia pro povo mas não valia pros dirigentes estatais, e uma interpretação muito simplificada do que é o Estado de Direito hoje é a ideia de que o estado de direito é o governo das leis, é a legislação obrigando não só a população em geral como também todos os dirigentes estatais, o estado de direito é o estado da lei soberana, a lei acima da vontade de cada uma das pessoas, seja um particular, seja um agente público.

E é por isso que nós costumamos denominar um agente público de servidor público, o que é um servidor puxando pelo sentido da palavra? É alguém que serve, alguém que está a serviço de outra pessoa, as vezes as pessoas perdem um pouco essa noção, mas todo agente público é uma pessoa que tá a serviço do povo, daí a ideia de que ela é um funcionário público, portanto exerce uma função em nome do povo de que é um agente público, ou seja a pessoa atua em nome do povo e sempre se submetendo a vontade popular que se expressa por meio da lei.

  • CONTEÚDO ESPECÍFICO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

E qual é o conteúdo específico do princípio da legalidade em direito administrativo? Bom, a ideia base do princípio da legalidade é que todos os agentes públicos no exercício da função administrativa só podem agir com autorização legal, então a necessidade de uma autorização legal para qualquer conduta de um agente público no exercício da função é o conteúdo clássico do princípio da legalidade em direito administrativo, como eu já disse essa legalidade em direito administrativo deriva do governo da lei, do formato moderno do estado de direito, e um outro efeito, uma outra consequência desse princípio da legalidade é que todo ato administrativo que contrariar a lei será nulo e por quê?

Porque o ato administrativo é uma decisão tomada pela administração pública no exercício da função administrativa, o ato administrativo é isso, uma decisão tomada no exercício da função administrativa, e portanto essa decisão ela reflete a subordinação do agente que  praticou a subordinação dele à lei e o ato administrativo também tá subordinado à lei como consequência da legalidade, razão pela qual nunca em nenhuma hipótese se houver um conflito entre um ato administrativo e a lei o ato prevalece sobre a lei, nunca, nunca. Em todas as hipóteses de confronto entre ato administrativo e a lei, o ato é que se torna nulo, jamais a lei terá que ser retirada ou jamais a lei será revogada pelo ato administrativo, jamais a lei será excepcionalizada pelo ato administrativo, essa é uma disputa que o ato administrativo nunca vencerá inclusive porque na pirâmide da hierarquia do ordenamento, famosa imagem de Hans Kelsen, o ordenamento ele é organizado em forma de pirâmide porque há uma hierarquia vertical entre as normas, no ápice da pirâmide nós temos a Constituição, na faixa intermediária da pirâmide nós temos as leis e abaixo, na base da pirâmide, os atos infralegais.

A ideia da pirâmide ela é ótima não só porque ela mostra a hierarquia, a verticalização das normas, como também a estrutura da pirâmide demonstra que os atos infralegais tem uma maior quantidade em relação ao da lei, porque a pirâmide vai encurtando conforme a gente suba na hierarquia e as leis elas tem uma quantidade maior do que as normas constitucionais. Então além de tudo a imagem da pirâmide é excelente por causa disso, conforme eu desço na hierarquia maior é a quantidade de normas ali, e o ato administrativo nessa disposição hierarquizada, ele tem à disposição mais baixa de todas, ele está abaixo do nível da lei, por isso que ele não tem força jurídica pra anular uma lei, pra revogar uma lei, pra excepcionalizar uma lei, ele jamais pode fazer isso, e nem se diga né, não há nada que o ato administrativo possa fazer que modifique a Constituição, contrarie uma normal constitucional. Então, esse é o conteúdo clássico do princípio da legalidade, a administração só pode agir se houver expressa autorização legal.

  • RESPALDOS LEGAIS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade ele é tão importante no direito administrativo que ele sempre lidera as listas previstas no nosso ordenamento de princípios administrativos por exemplo: você deve lembrar que o artigo 37 “caput” da Constituição tem a famosa lista dos cinco princípios do direito administrativo, a lista cujas iniciais foram a palavra LIMPE, e não é à toa que LIMPE começa com L de legalidade. Tamanha importância que o princípio da legalidade tem, ele foi o primeiro lembrado pelo constituinte na lista do 37 “caput”, interessante também que na lei federal 9.784 que é a lei federal do processo administrativo, o princípio da legalidade ele também é o primeiro a ser conceituado lá no artigo 2º, parágrafo único, isso é muito interessante porque demonstra a relevância que a legalidade administrativa tem dentro do nosso ramo. Mas há um detalhe curioso, essa lei do processo administrativo, a lei 9.784/99, ela apresentou um conceito de legalidade nesse artigo 2º, parágrafo único e ao contrário de dizer que o princípio da legalidade é uma subordinação da administração pública à lei, o legislador na lei 9.784/99 ele disse mais do que isso, se você pegar lá o artigo 2º parágrafo único da lei do processo vai tá dito assim ó: o princípio da legalidade consiste na conformidade em relação à lei e ao direito, então a legalidade na lei 9.784/99 é uma legalidade amplificada, é uma legalidade mais abrangente do que a legalidade tradicional apontada pela doutrina porque além de se sujeitar à lei em sentido estrito o agente público precisa se submeter também a outras normas que não estão na lei em sentido estrito mas que compõe o que a lei 9.784 chama de direito.

Bom, essa ampliação ela aponta para uma conclusão muito óbvia, um ato administrativo ele tá subordinado à todos os tipos de norma que tá acima dele na hierarquia, então a referência que o legislador faz da legalidade como uma conformidade à lei e ao direito tem essa ideia, não é apenas a lei em sentido estrito, lei ordinária, lei complementar que vincula o administrador público, a legalidade também obriga o administrador público, veja só a respeitar a Constituição, o que é uma coisa óbvia, a Constituição não tá contida na palavra lei em sentido estrito, medidas provisórias que não são lei, medida provisória tem força de lei mas não é uma lei, também há uma subordinação dos agentes públicos aos tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja signatário e os aspecto mais curioso é que essa ampliação da legalidade à sujeição do agente público a lei e ao direito significa que os atos administrativos comuns estão sujeitos, estão subordinados aos atos administrativos gerais e abstratos e isso é muito curioso porque as vezes as pessoas acham que a pirâmide do ordenamento ela significa que normas que estejam na mesma faixa tem exatamente a mesma hierarquia, ou seja, todos os atos administrativos que estão na base da pirâmide teriam uma hierarquia igual, eles teriam a mesma força jurídica, uns em relação aos outros e isso não é verdade, a base da pirâmide do ordenamento onde os atos administrativos estão alocados, ela também a sua sub-hierarquia, os atos administrativos não estão todos no mesmo nível do ordenamento, eles estão abaixo da lei mas entre eles há uma hierarquia importante e essa hierarquia entre os atos administrativos ela é um espelhamento, ela é um reflexo da hierarquia dentro do poder executivo e quem que ocupa a posição máxima do poder executivo?

Ora, são os chefes do executivo, Presidente da República, Governadores e Prefeitos. Como essas são as maiores autoridades dentro do poder executivo os atos administrativos que o chefe do poder executivo expede são hierarquicamente superiores aos atos administrativos expedidos por um Ministro de Estado, expedidos por um Secretário e os atos administrativos expedidos por um ministro e por um secretário eles são hierarquicamente superiores do que os atos administrativos que são expedidos por autoridades, estão na base da hierarquia do executivo. Então a hierarquia entre os atos administrativos é um reflexo, é um espelhamento da hierarquia das autoridades que praticam esses atos. É por isso inclusive que se uma portaria de um ministro, sei lá, Ministro da Justiça, contrariar um conteúdo de um decreto do Presidente da República, essa portaria é nula, e por que é nula? Porque ela tá contrariando um ato administrativo de hierarquia superior, é óbvio que esse raciocínio vale dentro de cada uma das esferas administrativas separadamente, não existe hierarquia entre Presidente da República e Secretário de Estado, ou entre o Governador e um Secretário Municipal, porque eles fazem partes de estruturas diferentes.

O poder executivo ele também é uma pirâmide e na parte mais alta dessa pirâmide tem o chefe do executivo, só que o chefe do executivo ele só tá na parte mais alta da pirâmide dentro daquela esfera administrativa, então um servidor público estadual ele não tá vinculado a um decreto presidencial, isso é muito curioso, um servidor público do município não tá vinculado a um decreto do Governador porque municípios, estados e União tem hierarquias do poder executivo diferentes, mas a lógica geral é essa. Com base nessa lógica a doutrina costuma colocar dentro do conteúdo da legalidade a obrigação dos agentes públicos respeitarem também os atos administrativos normativos. Atos administrativos normativos são aqueles praticados pelas autoridades de maior hierarquia, tanto que os atos como decretos, regulamentos, regimentos internos, esses atos administrativos eles tem características próprias da lei, eles são infralegais, eles não podem nunca contrariar o que a lei determina mas eles são gerais e abstratos como a lei, então digamos, eles tem uma semelhança maior com o degrau de cima da hierarquia do ordenamento que é a lei do que com os atos inferiores que não são gerais e abstratos ou se são gerais não são abstratos e se são abstratos não são gerais, atos administrativos eles tem essa sub-hierarquia dentro da pirâmide do ordenamento.

Portanto, numa primeira conclusão nossa aqui, o moderno princípio da legalidade, se nós pudermos usar essa expressão conforme o artigo 2º parágrafo único da lei 9.784/99 é uma obrigação da administração pública respeitar a lei em sentido estrito, lei ordinária e lei complementar mas também a Constituição, medidas provisórias, constituições estaduais, leis orgânicas municipais, tratados e convenções de que o Brasil seja signatário e até atos normativos de autoridades superiores.

  • BLOCO DA LEGALIDADE E O PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE

Bom, os estudiosos da legalidade no Brasil costumam apontar uma ideia interessante, quando você amplia o conteúdo da legalidade, ou pelo menos o conteúdo tradicional da legalidade dizendo que a legalidade em direito administrativo é um dever de atuação conforme a lei e o direito, a doutrina costuma dar um outro nome pra esse princípio pra que fique clara a diferença entre a subordinação à lei em sentido estrito e a subordinação a atos normativos de diversas origens. Tem na verdade dois nomes que se costuma usar pra fazer referência a essa legalidade ampliada. O primeiro nome é o princípio da juridicidade, juridicidade é um nome que dá conta dessa expansão do princípio da legalidade, porque juris vem de direito e portanto é uma subordinação da administração pública, o direito como um todo e também há um segundo nome que é bloco da legalidade, eu acho esse nome horroroso, eu costumo brincar esse nome parece um bloco de escola de samba só de advogados, já pensou que coisa mais chata bloco de samba só de advogados, o bloco da legalidade saiu pra rua, acho esse nome péssimo mas a doutrina costuma falar no bloco da legalidade como sendo essa noção ampliada do princípio da legalidade obrigando a administração a agir conforme a lei e o direito.

Outro detalhe que as vezes passa despercebido quando as pessoas estudam o princípio da legalidade lá no artigo 2º parágrafo único da lei 9.784/99 ou se você preferir quando as pessoas estudam o princípio da juridicidade ou bloco da legalidade, as pessoas costumam deixar de lado a forma como a lei do processo administrativo descreveu a legalidade. Então o que que diz o legislador nesse artigo 2º parágrafo único, inciso I da lei 9.784/99, a legalidade é um dever de atuação conforme a lei e o direito, conforme, o que significa conforme a lei e o direito? Basicamente duas coisas, a noção mais básica, mais superficial é aquela que eu comentei, pelo princípio da legalidade o ato administrativo não pode contrariar a lei e atos normativos superiores. Então o ato tem que ser praticado conforme o direito porque ele não pode contrariar normas superiores, isso todo mundo sabe, mas há um segundo aspecto muito interessante porque a palavra “conforme” ela pode ser interpretada também como algo que tenha forma de outra coisa, então algo “conforme” significa algo que tenha uma forma determinada por outra realidade, então, interpretando a palavra conforme nesse sentido o princípio da legalidade apresenta um outro aspecto que é interessante também, o ato administrativo ele só pode ser praticado com a forma que a lei e o direito estabelecer, e o que que isso?

É um dever de tipicidade do ato administrativo, vale dizer, um ato administrativo só pode ser expedido se houver na lei ou em atos superiores aquela tipologia, aquela forma, então eu só posso praticar um ato administrativo se eu sou Presidente da República que tenha a forma de decreto, que tenha a forma, sei lá, de portarias se for um ministro, que tenha a forma de ordem e serviço se for uma autoridade de hierarquia inferior, então essa ideia de atuar conforme a lei e o direito tem esse aspecto também de uma tipicidade na prática de atos administrativos que sempre tem que ser realizados de acordo com a nomenclatura e o regime jurídico que a legislação determina.

  • SUBPRINCÍPIOS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Bem, dos autores de direito europeu, existe uma outra ideia que foi agregada ao bloco da legalidade ou princípio da juridicidade, essa ideia é a divisão do princípio da legalidade em dois subprincípios. Em primeiro lugar haveria o subprincípio da primazia da lei e em segundo lugar o subprincípio da reserva legal, então a legalidade teria como subprincípios a primazia da lei e o princípio da reserva legal. O que que é a primazia da lei? A primazia é o sentido mais óbvio do princípio da legalidade segundo o qual um ato administrativo não pode contrariar a lei porque a lei está em uma posição superior, ela tem primazia, ela tem uma precedência em ralação ao ato administrativo, então essa é a ideia básica do não contraste entre ato  e a lei. Mais interessante e profundo é o conteúdo do princípio da reserva legal, como segundo subprincípio da legalidade, a reserva legal ela obriga não só o ato administrativo a não contrariar a lei como também o princípio da reserva legal determina que só será possível a prática de um ato administrativo se primeiro já existe uma lei tratando daquela matéria, ou seja, o poder de normatizar originariamente um assunto, o poder de normatizar pela primeira vez um determinado tema, esse poder só o legislativo tem, a administração não tem.

É isso que significa princípio da reserva legal, o ato administrativo ele não pode inaugurar a disciplina normativa de um tema, então imagina um assunto qualquer, pega um assunto muito novo, um assunto como algoritmo de redes sociais, você sabe, algoritmo é aquela ferramenta que muitos gigantes do Vale do Silício os Estados Unidos utilizam pra registrar e interpretar dados de todos nós, Facebook tem algoritmo, o Google tem outro algoritmo muito poderoso, o Instagram, etc. E o mundo inteiro tá aprendendo a lidar com esse algoritmo que são fórmulas de informática, fórmulas secretas que as empresas guardam como se fosse a fórmula da Coca-Cola porque é grande segredo de negócio dessas empresas, então, o mundo inteiro estuda mecanismos disciplinar de alguma forma o uso de algoritmos.

Bom, não há no direito brasileiro por enquanto, nenhuma legislação que trate da normatização de algoritmos, bom, suponha por hipótese que determinado agente público resolva por ato administrativo estabelecer alguma norma sobre algoritmo, Presidente da República expede um decreto regulamentando o uso de algoritmo, Governador proíbe usar algoritmo nas escolas públicas, um prefeito diz que se o aplicativo tiver algoritmo ele não pode ser usado dentro da estrutura da prefeitura, sei lá, algum ato administrativo inaugura disciplina normativa dos algoritmos, pois é, pelo subprincípio da primazia da lei, não haveria nenhum problema com esse ato administrativo porque não existe uma lei ainda, não há um contraste entre o conteúdo do ato e a lei que não existe, mas o princípio da reserva legal proíbe que o ato administrativo faça isso, porque primeiro uma realidade tem que ser normatizada pela lei para depois o ato administrativo tratar daquele assunto, porque a função de um ato administrativo é sempre pegar uma lei que já existe e executar o conteúdo daquela lei, colocar em prática o conteúdo daquela lei, normalmente dentro do ambiente da administração, por isso que um outro nome pra ato administrativo é ato executivo, é a mesma coisa, ato administrativo e ato executivo porque o ato administrativo ele tem essa missão de executar a lei no caso concreto, de estabelecer uma ponte entre a lei que é geral e abstrata e a realidade fática, o ato administrativo não passa de um mero executor da vontade do legislador em casos concretos.

  • LEGALIDADE NEGATIVA E POSITIVA

Interessante a gente observar portanto que o princípio da legalidade em direito administrativo tem duas vertentes, uma legalidade negativa, um aspecto negativo que é a primazia da lei no sentido de que o ato administrativo não pode contrariar o que determinado dispositivo legal estabelecer mas tem também um sentido positivo dentro da legalidade. O que que é a legalidade em sentido positivo ou num aspecto positivo? É o princípio da reserva legal segundo o qual um ato administrativo ele não pode inaugurar a disciplina normativa de um tema isso só cabe ao legislador, razão pela qual o ato administrativo ele é sempre secundário, em termos hierárquicos e cronológicos, hierárquicos porque o ato administrativo tá sempre abaixo da lei e em termos cronológicos ele é secundário porque primeiro tem que ter uma lei tratando daquele assunto para que depois o ato administrativo aplique aquela lei no caso concreto. Jamais o ato administrativo pode vir antes de uma lei ou então o ato administrativo tratar de um assunto que ainda não tenha sido legislado. Então esses são os aspectos negativo e positivo da legalidade, primazia da lei e reserva legal.

  • TRÍPLICE FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

Olha só, ao contrário do que muita gente acha o princípio da legalidade em direito administrativo dentro da Constituição de 88 não tem apenas uma previsão, todo mundo sabe que o artigo 37 “caput” ele menciona o princípio da legalidade entre os princípios que vinculam a atividade da administração pública, a lista de princípios que vinculam a atividade da administração no 37 “caput” da Constituição diz la né, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, essa é a previsão famosa da legalidade no texto constitucional de 88, mas ao contrário do que todo mundo acha a legalidade tem três previsões distintas dentro da constituição, tem o 37 “caput” uma norma muito conhecida, mas tem também o artigo 5º inciso II, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, essa norma ela tem um reflexo no direito administrativo também e além disso há uma terceira previsão da legalidade no direito constitucional brasileiro que é o artigo 84 inciso IV da Constituição. Esse artigo 84 inciso IV ele diz que cabe ao Presidente da República editar decretos para dar fiel execução à lei, isso é um aspecto da legalidade também, portanto nós temos três fundamentos, ou se você preferir o tríplice fundamento da legalidade dentro da Constituição de 88, tem a do 37 “caput”, tem a legalidade do artigo 5º inciso II e tem a legalidade no artigo 84 inciso IV.

O curioso é que cada uma dessas legalidades administrativas, dessas três legalidades administrativas dentro da Constituição, cada uma delas tem um aspecto diferente e uma projeção a âmbitos pessoais diferentes. O 37 “caput” é uma legalidade administrativa em sentido estrito, ou seja, é uma legalidade que vincula o aparelho da administração pública, a máquina da administração pública, é uma legalidade que vincula agentes públicos no exercício da função. A legalidade do artigo 5º inciso II ela é diferente, quando o artigo 5º inciso II da Constituição afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, ali está sendo dito que a liberdade de particulares só poderá ser restringida pelo parlamento, o poder executivo e quem exerce a função administrativa não tem força jurídica para criar de forma originária deveres e proibições a particulares, é por isso que em direito administrativo nós podemos reescrever o artigo 5º inciso II na seguinte forma: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa por ato administrativo.

O ato administrativo não tem força jurídica para criar deveres e proibições pro particular a não ser que ele faça isso executando uma lei no caso concreto, portanto o artigo 5º inciso II da Constituição é uma legalidade projetada para fora da administração, é uma legalidade projetada para o particular. Já a legalidade administrativa do artigo 84 inciso IV da Constituição é uma legalidade interna do ordenamento, é uma legalidade que ao afirmar que os decretos presidenciais devem ser expedidos para dar fiel execução à lei, esse artigo 84 inciso IV ele tá reforçando a ideia de que o ato administrativo, decreto é um ato administrativo, que o ato administrativo tem uma posição inferior à lei dentro do ordenamento, afinal dar fiel execução a algo pressupõe que esse ato administrativo ele está em uma posição de inferioridade em ralação a lei que tá sendo executada, portanto esses são os três significados diferentes da tríplice legalidade dentro da Constituição de 88. Vamos relembrar? Artigo 37 “caput” é a legalidade interna da administração, artigo 5º II é a legalidade pro particular, a legalidade administrativa projetada para a esfera do particular, o artigo 84 inciso IV é a legalidade dentro da hierarquia das normas do ordenamento.

Bom, há um tema dentro do estudo do princípio da legalidade que é um clássico no nosso direito, tanto que esse é o assunto mais perguntado sobre legalidade administrativa em concursos públicos, se você der uma busca em qualquer site que tem repertório de questões de concurso, você vai ver que o princípio da legalidade quando ele é perguntado, a maior quantidade de perguntas trata da diferença entre a legalidade administrativa e a legalidade privada, ou seja, a diferença entre a relação que o agente público tem com a lei, comparada com a relação que o particular tem com a lei, legalidade pública vinculação do agente público com a lei, legalidade privada vinculação do particular em relação à lei.

Bom, esse tema das diferenças entre a legalidade pública e privada foi um tema muito enfatizado pelo grande professor Hely Lopes Meirelles, e é interessante que o professor Hely Lopes Meirelles ainda é o administrativista brasileiro mais mencionado expressamente em questões de concurso, se você pegar qualquer site que seja um repositório de questões de concurso e você digitar o nome dos nossos grandes administrativistas você vai ver que Hely Lopes Meirelles aparece ainda em mais questões do que Celso Antônio Bandeira de Mello, do que Maria Sylvia Zanella di Pietro, do que Jose dos Santos Carvalho Filho pra falar dos quatro grandes administrativistas com atuação recente dentro do nosso direito.

E o Hely Lopes Meirelles já morreu a muito tempo, faleceu a trinta anos, morreu em 1990 e trinta anos depois da morte dele o fato dele ser o administrativista mais citado expressamente em questões de concurso isso demonstra a importância que o professor Hely Lopes sempre teve par a o direito administrativo brasileiro, e o professor Hely gostava muito de destacar esse aspecto da legalidade, tem uma clássica citação dele que traduzindo para a linguagem que nos interessa nessa conversa dizia o professor Hely Lopes Meirelles: Enquanto o particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe o agente público só pode fazer o que a lei autoriza. Então essa é a parte mais importante da comparação entre a legalidade pública e a legalidade privada, o particular pode fazer tudo que a lei não proíbe portanto em principio pro particular tudo é permitido, já o agente público não, ele só pode fazer o que a lei autoriza, então em princípio o agente público não pode fazer nada a não ser aquelas poucas condutas que o legislador autorizar. Essa diferença entre legalidade privada e legalidade pública ela repousa em princípios diferentes que disciplinam a relação do particular com a lei comparando com a relação do agente público frente a lei.

Os particulares têm diante da lei um princípio chamado, princípio da autonomia da vontade, autonomia da vontade é a ideia segundo a qual fora as condutas que o direito proibir o particular tá livre pra fazer o que ele quiser, já a relação que o agente público tem com a lei não é de autonomia da vontade, a relação que o agente público tem com a lei é uma relação de subordinação e essa diferença da legalidade privada pra legalidade pública ela é apenas um desdobramento desses princípios distintos. Então, por que o particular pode fazer tudo que a lei não proíbe? Porque ele tem a garantia do ordenamento dessa autonomia da vontade de que ele é livre pra praticar todas as condutas exceto aquelas que o legislador tenha proibido, já a legalidade pública, a administração só pode fazer o que a lei autoriza é um reflexo dessa ideia de subordinação à lei, o agente público não é livre pra fazer o que quiser, ele só pode atuar dentro dos limites estritos do princípio da legalidade.

E existem muitas outras consequências da comparação entre a legalidade privada e a legalidade pública, uma outra consequência interessante é que em princípio pro particular tudo é permitido, legalidade privada, já pro agente público em princípio tudo é proibido, essa é a legalidade pública, portanto repare num caso que vai mostrar essa diferença, parece um jogo de palavras bobo, ah o particular pode fazer tudo que a lei não proíbe e o agente só o que a lei autoriza, parece um joguinho de palavras mas não é não. Imaginem um exemplo, suponha que determinado assunto não tenha sido disciplinado ainda pela legislação, então pega o exemplo que eu gosto que é aquele exemplo do uso de algoritmos, a legislação brasileira ainda não disciplinou quais são os limites da criação dessa inteligência artificial capaz de processar dados das pessoas que eu tô chamando aqui grosseiramente de algoritmo, não tem uma legislação que disciplina os algoritmos no Brasil, portanto a normatização dessa ação com algoritmos ela não está feita por lei expressa. Bom, essa lacuna do legislador tem significados diferentes pro particular e pro agente público, se não há uma lei tratando desse assunto a conduta está autorizada pro particular e proibida pro agente público. Então, na falta de lei sobre a normatização de algoritmos o particular pode usar livremente os algoritmos enquanto que o agente público não pode realizar essa prática por falta de autorização legal.

  • TEORIA DA SUPREMACIA ESPECIAL OU TEORIA DA SUJEIÇÃO ESPECIAL

E um último aspecto importante do princípio da legalidade é uma relativa novidade que foi trazida pro Brasil chamada de Teoria da Supremacia Especial ou Teoria da Sujeição Especial. Essa é uma teoria de origem europeia, ela nasceu com muita força na Alemanha no início do século passado e na Itália também no início do século passado, há dois autores de referência sobre essa, teoria na Alemanha Otto Mayer considerado por muitos o maior administrativista  de todos os tempos e na Itália Renato Alessi, outro gênio do direito administrativo moderno. Pois é, o que é essa teoria? A teoria da supremacia especial ou da sujeição especial, os dois nomes significam a mesma coisa, ela parte do pressuposto de que existem dois tipos diferentes de relações jurídicas entre a administração e o particular. Essa teoria ela foi importada para a doutrina brasileira pelo grande professor Celso Antônio Bandeira de Mello, meu maior ídolo dentro do direito, foi ele que trouxe já há vários anos a aplicação dessa teoria pra nossa realidade, ela tá caindo muito em concursos públicos principalmente em exame oral.

Eu lembro que a minha mulher Tatiana, muitos dos meus seguidores conhecem, ela é uma concursanda brilhante, foi né, porque agora já é procuradora do estado, passou em todos os concursos que ela quis e eu lembro que na véspera, veja que sorte, na véspera do exame oral na procuradoria do Estado de São Paulo onde ela foi aprovada, haveria uma arguição no dia seguinte de direito administrativo e eu saí com ela pra jantar e eu estava fazendo mestrado, aí estávamos nos idos de 2003/2004 mais ou menos e eu tive aulas naquele ano com o professor Celso Antônio Bandeira de Mello lá no mestrado e a Tatiana me perguntou assim: amanhã eu vou ter o exame oral de direito administrativo, me fala aí algum assunto que sejam uma super novidade, porque vai que me perguntam uma novidade. E eu pensei, pensei e falei: oh, o professore Celso Antônio nas aulas de mestrado ele mencionou uma teoria chamada de Supremacia Especial ou Sujeição Especial, que significa isso, isso e isso… Tem aplicação nos seguintes casos e ela ficou com essa informação.

Pois não é que no dia seguinte a arguidora de direito administrativo da banca perguntou pra todos os candidatos o que era essa teoria e ninguém sabia responder a não ser a Tati que respondeu brilhantemente. E o que que é essa teoria? Essa teoria, como eu disse, ela parte do pressuposto de que existem dois tipos de vínculos, dois tipos de relações jurídicas entre a administração e o particular. Uma primeira relação jurídica seria a relação jurídica básica chamada de Supremacia Geral ou Sujeição Geral, é a legalidade como nós a conhecemos segundo a qual a administração pública só pode estabelecer deveres e proibições pro particular se tiver fundamento na lei. Portanto, a supremacia geral é o conteúdo clássico da legalidade num ambiente que os autores europeus chamam de poder de polícia, então se eu tô andando na rua, eu tô sujeito a uma espécie de legalidade, então a administração pode criar deveres e proibições pra mim desde que haja uma lei tratando desse assunto porque a minha relação é de supremacia geral, é a relação básica, é relação distanciada entre a administração e o particular.

Porém, o coração dessa teoria tá no segundo tipo de relação jurídica, a chamada Relação de Supremacia Especial ou Sujeição Especial, esse segundo tipo de relação jurídica, uma relação jurídica de maior proximidade entre a administração e o particular, basicamente quando o particular ingressa no ambiente da administração e quando o particular ingressa no ambiente da administração essa maior proximidade que o professor Bandeira de Mello chama de uma relação doméstica com a administração pública, essa maior proximidade dá um outro sentido pra legalidade, ela ressignifica o princípio da legalidade e aí por que é uma relação de maior proximidade a administração poderia ela criar deveres e proibições sem fundamento imediato na lei. Então imaginem um exemplo, suponha que um sujeito tá indo a uma biblioteca pública no percurso entre a casa dele e a biblioteca a relação é de sujeição geral, ou seja, ele tá submetido a deveres e proibições que a lei estabelece ou deveres e proibições que a administração estabelece pra executar uma lei, é uma relação comum de poder de polícia.

Agora, a partir do momento que esse indivíduo pisa dentro da biblioteca pública a relação dele é de maior proximidade porque ele está num ambiente da administração pública, ele tá num relação doméstica com a administração pública, uma relação interna e aí ele passa a se vincular a atos administrativos que podem criar deveres e proibições sem fundamento na lei, sem fundamento imediato na lei. Então você vai numa biblioteca pública, há uma série de restrições ali, há um horário de um funcionamento, há regras sobre poder ou não levar o livro pra casa, existem regras sobre emissão de ruídos, proibido que a pessoa faça barulho, as vezes não pode entrar com comida lá no ambiente dos livros e essas regras elas não são criadas por lei, o legislador ele não estabelece uma disciplina por meio de lei, uma disciplina interna do ambiente de uma biblioteca pública, o legislador não chega nesse nível de detalhamento a não ser em um outro caso se pegar por exemplo autarquias que são unidades de atuação mais sofisticadas digamos assim, o legislador pode entrar nessa minúcia da normatização do ambiente interno, mas numa biblioteca pública por exemplo isso não tem sentido e aí esse usuário poderia perguntar: ué por que que eu não posso comer aqui dentro da biblioteca se não há lei que estabeleça essa restrição?

Um indivíduo bem informado poderia chegar pra pessoa no atendimento no balcão e dizer assim: eu quero entrar com esse sanduiche e se você tá me proibindo eu quero que mostre a lei que estabelece a proibição de entrar com sanduiche na biblioteca pública, porque afinal, diz o sujeito bem informado, artigo 5º inciso II da Constituição afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, se não tem lei, portanto eu posso fazer isso. Bom, qual que seria o argumento de refutação desse agente público quando indagado pelo particular a respeito dessa proibição, ele poderia dizer o seguinte: é mas o artigo 5º inciso II se aplica da porta da biblioteca pra fora, quando você entrou aqui na biblioteca você aceitou uma relação de sujeição especial, você entrou porque você quis e nessa relação de maior proximidade os atos administrativos podem criar deveres e proibições, essa proibição consta do regimento interno da biblioteca, e aí a pessoa apresenta o regimento interno e lá nos deveres do usuário tem a proibição de entrar com alimentos, regimento interno é ato administrativo. Na rua um regimento interno não poderia vincular o particular, mas ele não tá na rua, ele tá numa relação de maior proximidade, relação de sujeição ou supremacia especial e aí um ato administrativo ou regimento interno pode sim estabelecer deveres e proibições mesmo sem previsão imediata na lei.

Valeu, é isso nos vemos na próxima. Tchau!

Aproveite e baixe agora meu E-BOOK grátis com o Direito Administrativo Esquematizado: https://www.escoladomazza.com.br/eboo…

Se preferir assista esse conteúdo em vídeo